No romance "Clara dos Anjos", Lima Barreto representa, através da protagonista, sua condição social. Ele faz isso apresentando o drama de uma mulher negra, que geração após geração, sofre as consequências de séculos de escravidão no Brasil, que deixaram marcas na forma do país tratar os descendentes dos africanos que habitavam nosso país na condição de escravos.
Algumas ideias de Lima Barreto estão presentes no romance "Clara dos Anjos", como o gosto popular pelo violão (que não era bem visto na época) que acometia Joaquim, pai de Clara...além de mostrar o subúrbio carioca das primeiras décadas do século XX, com seus casarões e também suas casinhas, nas quais surgiam todos os tipos de pessoas que se pode imaginar.
Se em "O triste fim de Policarpo Quaresma" Lima apresenta um personagem com total aversão à influência estrangeira no Brasil, em "Clara dos Anjos" a sua ojeriza à influência norte-americana em nosso país é destacada ao criticar o surgimento das novas "seitas cristãs", nas quais o Protestantismo procurava expandir-se em terras nacionais.
Como o colocou Antônio Arnoni Prado, o autor de Clara dos Anjos “interessou-se pelos Estados Unidos, em virtude do tratamento desumano que este país dispensava aos seus cidadãos de cor. (…) Censurou duramente a discriminação racial americana, assim como o expansionismo imperialista dos ‘yankees’, que, através da diplomacia do dólar, ia, a seu ver, convertendo o Brasil num autêntico protetorado.” Nada mais profético.
Neste romance surge um dos personagens de mais baixa índole da Literatura nacional. Se considerarmos o julgamento social, ele poderia ser classificado como um típico "canalha"...Cassi Jones é este homem, que se aproveita de mocinhas ingênuas que não têm a proteção da sociedade. Clara era um típico exemplar de vítima das suas aventuras amorosas: negra, pobre, moradora do subúrbio...
Quando Clara engravida e vai procurar a família de Cassi (que havia desaparecido, como sempre), a mãe do jovem diz sentir-se ofendida por uma negra buscar casamento com seu filho, além de censurá-la por não "saber seu lugar".
Na cena final, ao relatar o que se passara na casa da família de Cassi Jones para a sua mãe, Clara conclui, em desespero, como se falasse em nome dela, da mãe e de todas as mulheres em iguais condições: “— Nós não somos nada nesta vida.”
No romance "Clara dos Anjos" há uma herança Naturalista, já que o Naturalismo considerava a vida do homem resultado de fatores externos (raça, ambiente familiar, classe social, etc.). Influenciado pelas ciências experimentais, o escritor naturalista tentava demonstrar, com rigor científico, que o comportamento humano está sujeito a leis semelhantes às que regem os fenômenos físicos. Se o realismo pretendia ser objetivo e imitar a realidade, o Naturalismo desejava fazer uma análise histórica, social e psicológica da realidade, um estudo profundo a partir de uma ampla documentação prévia. Em "Clara dos Anjos" as ações dos personagens são produtos das leis naturais da vida; o meio ambiente, fatores genéticos, momento histórico...é uma composição cientificista e determinista.
Devemos ler "Clara dos Anjos" com os olhos de Lima Barreto, que apresentava as situações de injustiça social e esperava a conscientização de um país constituído por diferenças, que até hoje, ainda sofre com a ferida social que é o preconceiro racial.
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