A carta que não foi mandada
Paris, outono de 73
Estou no nosso bar mais uma vez
E escrevo pra dizer
Que é a mesma taça e a mesma luz
Brilhando no champanhe em vários tons azuis
No espelho em frente eu sou mais um freguês
Um homem que já foi feliz, talvez
E vejo que em seu rosto correm lágrimas de dor
Saudades, certamente, de algum grande amor
Mas ao vê-lo assim tão triste e só
Sou eu que estou chorando
Lágrimas iguais
E, a vida é assim, o tempo passa
E fica relembrando
Canções do amor demais
Sim, será mais um, mais um qualquer
Que vem de vez em quando
E olha para trás
É, existe sempre uma mulher
Pra se ficar pensando
Nem sei... nem lembro mais
Há poemas que são muito visuais. Quem lê este poema do Poetinha, com tema sentimental, não pode livrar-se da imagem do homem sentado num bar em Paris pensando na amada...o leitor começa então, a imaginar detalhes daquela estória de amor mal sucedida. Porque eles estão separados? Seria um fator político, histórico ou social? Uma guerra por exemplo. A guerra que separa amantes e destrói sonhos de amor construídos durante seu decorrer...ou a separação seria por culpa de uma fraqueza de um dos lados? Um adultério numa noite qualquer, uma palavra mal dita, um ciúme antigo...seria um desgaste natural da relação? Disso Vinícius de Moraes entendia muito bem, já que é sabido por todos os inúmeros casamentos e as inúmeras mulheres que passaram pela vida do poeta.
A imaginação do leitor viaja por uma imagem criada neste poema que parece simples, mas apresenta uma estória de amor escondida naquela cena...precisamente no outono de 73. O outono é a estação na qual as folhas caem, a beleza trazida pelas flores da primavera se foi e isso é uma simbologia aos dias felizes que precederam aquela situação pela qual o amante está passando: sozinho num bar, recordando o passado, pensando numa mulher que não está presente. Um homem que não reconhece mais a sua imagem em frente ao espelho.
O poetinha cria a imagem do apaixonado desiludido, bebendo e tentando esquecer a decepção amorosa.
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