sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Para os saudosistas


No fim de ano muitas pessoas refletem sobre o passado, tudo que aconteceu durante este ano que termina, tudo que pode mudar no próximo...muitos pensam com tristeza nas mudanças que ocorreram na vida; as festas que não são mais as mesmas, nas pessoas que se foram e deixaram saudade.
Muitos pensam na infância, tempo que, para muitos, é digno de saudades.


Meus oito anos

Oh ! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras,
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias
Do despontar da existência!
- Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é - lago sereno,
O céu - um manto azulado,
O mundo - um sonho dourado,
A vida - um hino d'amor!

Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!

Oh ! dias da minha infância!
Oh ! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito,
- Pés descalços, braços nus -
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

(...)

Oh ! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras,
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!


O belo, doce e meigo poeta romântico Casimiro de Abreu, expressa este sentimento saudosista neste que é um dos poemas mais populares da Literatura Brasileira. Dentro dos moldes românticos, temos a idealização desta fase da vida que pode ser muito boa ou muito traumática para nossa história. A simbologia da AURORA como começo, alvorecer de tudo, tempo de viver levemente, sem preocupações, torna o poema uma ODE a este tempo chamado INFÂNCIA. Idealização é o que não falta, Casimiro usa e abuso desta característica típica do Romantismo...temos uma natureza perfieta que proporciona muitos prazeres, laranjais, bananeiras...é neste meio puro que o menino vive os melhores momentos da sua vida. Quando a alma ainda conserva a inocência primitiva do ser humano a vida tem mais magia e a imaginação é um ponto a favor da concretização da felicidade, pois o mar não é bravio, é um lago sereno; o mundo não tem problemas, diferenças e tristezas, ele é um sonho dourado; a vida é um hino d'amor, é a perfeição. Não há preonceito ou malícia, convenções sociais...podemos andar com os pés descalços, os braços nus. A presença familiar também é muito importante, os beijos e carícias da ma~e e da irmã são primordiais para uma criança feliz. A liberdade, outro trunfo dos românticos, faz com que o menino de oito anos viva em comunhão com a natureza, sendo um livre filho das montanhas, correndo atrás das borboletas. A criança não é uma inimiga, é uma aliada dos animais e colabora para que a fauna e a flora vivam em harmonia. Outra característica romântica que não esca a de Casimiro de Abreu é a religiosidade e o compromisso da criança com seus deveres. Embora passe os dias brincando e fazendo pequenas travessuras ( colhendo frutos das árvores), ele não se esquece de rezar a AVE-MARIA e cumprir seus deveres cristãos, pois assim ele pode adormecer sorrindo e e despertar cantando. O desfecho do poema não deixa de mostrar certo tom pessimista, pois o poeta deixa claro que estes bons tempos vividos são parte do passado e não voltam mais, já que pertencem a infância e não podem existir na idade adulta, quando a realidade da vida invade a mente humana e faz com que ela relembre com saudade dos tempos idos. Mas seria mesmo a infância o melhor tempo da vida? É interessante viver lembrando as belezas do passado? Questões como estas estão presentes em muitos leitores do nosso tempo.; mas elas não tinham importância para Casimiro, que colocou em "Meus oito anos" a sua definição de felicidade.




sábado, 25 de dezembro de 2010

Quando se perde um grande amor...

A morte da mulher amada já foi tema de muitos romances, contos, músicas...na poesia não poderia ser diferente. Os anos dourados do Classicismo português tiveram como grande representante o grande poeta Luís Vaz de Camões, exímio no uso da língua portuguesa e também na arte de contruir versos marcantes. Num dos seus sonetos mais famosos ele cria a imagem do apaixonado que sente a perda da mulher amada para a morte:



Alma minha gentil, que te partiste
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

O inconformismo do amante e da amada com a separação são muito claros, pois ela partiu cedo e descontente, vivendo eternamente no céu e deixando um homem triste aqui na Terra, também por toda a eternidade. Camões conversa com a amada sobre a vida após a morte, grande mistério para quem fica. Ele pede que, se for permitido a ela lembrar-se do grande amor que deixou aqui, e se a dor desta mágoa puder ter fim sendo o amado merecedor desta dádiva, que rogue a Deus para que o leve cedo também, para que possa vê-la, já que ela lhe fora tirado tão cedo. Uma visão espiritual e inconformista do tema.

Já nos anos em que o Parnasianismo fez morada em terras brasileiras (saudoso do Classicismo), Olavo Bilac, o Príncipe dos Poetas, utilizou versos da "Divina Comédia" como título de um belo soneto:



Nel Mezzo Del Cammin

Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E a alma de sonhos povoada eu tinha...

E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.

Hoje, segues de novo... Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.

E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.

O eu-lírico, primeiramente, conta a estória do encontro...eles chegaram um para o outro já tristes, fadigados pela longa caminhada, mas com sonhos na alma. Nesta estrada da vida, eles pararam subitamente e uniram suas vidas, prenderam uma a outra. A partir da terceira estrofe ele fala da nova partida, desta vez apenas ela partirá, seguindo de novo sem lágrimas, sem se comover com a dor da despedida. Frieza? Não. ela partiu na extrema curva, no caminho extremo, partiu para a morte, enquanto ele ficaria solitário, vendo seu vulto desaparecer. Diferente do poema de Camões, aqui não existe uma vontade clara de partir também, mas sim um olhar extático do amante em ver sua amada partindo agora para um caminho sem volta, deixando-o eternamente só.

Quando Carolina Xavier, esposa e companheira de Machado de Assis partiu desta vida, o marido lhe dedicou um belo poema que resumia a vida do casal e o sentimento de perda irreparável do que invadia o coração do escritor.


A CAROLINA

QUERIDA, AO PÉ DO LEITO DERRADEIRO
EM QUE DESCANSAS DESSA LONGA VIDA.
AQUI VENHO E VIREI, POBRE QUERIDA,
TRAZER-TE O CORAÇÃO DO COMPANHEIRO.

PULSA-LHE AQUELE AFETO VERDADEIRO
QUE A DESPEITO DE TODA A HUMANA LIDA,
FEZ A NOSSA EXISTÊNCIA APETECIDA
E NUM RECANTO PÔS UM MUNDO INTEIRO.

TRAGO-LHE FLORES, RECANTOS ARRANCADOS
DA TERRA QUE NOS VIU PASSAR UNIDOS
E ORA MORTOS NOS DEIXA SEPARADOS.

QUE EU, SE TENHO NOS OLHOS MAL FERIDOS
PENSAMENTOS DE VIDA FORMULADOS,
SÃO PENSAMENTOS IDOS E VIVIDOS.

O soneto machadiano não tem em si o mesmo inconformismo, ou o olhar extático dos anteriores, é uma constatação de que, depois da partida da grande companheira, não resta mais nada a ele, já que seus pensamentos são idos, são vividos. Talvez isso se deva ao fato de Machado compreender que sua vida logo vai encerrar-se e que Carolina havia cumprido sua missão de esposa, amiga, grande apoio da sua vida.

Perder uma pessoa amada não é fácil para nenhum ser humano, pois espiritualizados ou não, é difícil aceitar que não temos mais a presença física do amor ao nosso lado. Em qualquer período literário e histórico, homens e mulheres choraram através da Literatura a impotência do homem perante a morte que, cedo ou tarde, separa amantes fisicamente, deixando vivo o sentimento que é eterno.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Romantismo - em busca da sociedade perfeita


Se a Revolução francesa deu novos rumos para a organização social do mundo, não poderia deixar de influenciar o pensamento ocidental. Uma nova classe conquistava o poder, os nobres perdiam suas cabeças e seus tronos e os burgueses eram os novos dominantes. Se antes a Arte era produzida apenas para um público restrito, agora precisaria ganhar ares mais comerciais e populares, precisaria alcançar pessoas a quem a educação fora negada por muito tempo. As grandes epopéias perdiam lugar e surgia o ROMANCE, forma de escrita mais acessível e coerente com os novos tempos. Publicado em folhetins, o romance deixava o leitor na expectativa de um novo capítulo, com novas aventuras ou tramas amorosas. Os jornais tinham uma grande tiragem e isso produzia lucro, era o pensamento capitalista que invadia a Literatura.
"Liberdade, Igualdade e Fraternidade" era os lema da Revolução e guiava os heróis do "novo mundo" que surgia.
A Burguesia precisava se firmar e, por isso, surgiu um estilo de arte que servia a esta classe: o Romantismo. Na literatura, muitos críticos afirmam que o Romantismo é o movimento feito PELA Burguesia PARA a Burguesia. Era preciso mostrar que a sociedade agora estava perfeita, os pilares dela estavam bem assentados e nunca se romperiam. A família, a religião cristã, o amor...eram idealizados em enredos feitos sob medida para serem lidos nos saraus pelas moças apaixonadas e pelos cavalheiros de boa índole. As poesias privilegiavam uma linguagem extremamente sentimental, sem preocupar-se com a Forma, visando a liberdade neste sentido.
O sentimentalismo exagerado, a idealização, o subjetivismo, individualismo, muitas vezes a ingenuidade, eram marcas do novo estilo que surgia.
Muitos romances eram escritos seguindo uma fórmula: dividir o mundo entre BEM e MAL. Se havia o mal, precisava haver um heroi. Como nasceu no continente europeu, o heroi do Romantismo no velho mundo era o cavalheiro medieval, que servia a religião e ao amor acima de tudo, lutando pela pátria e pela mulher amada sem medo, coberto por uma coragem inumana.
Como no Brasil não tivemos a Idade Média e os cavalheiros de armadura, o escolhido para heroi foi o índio, que de tão idealizado, diversas vezes parecia mais um europeu preso ao corpo de um selvagem das Américas. Peri e I-Juca Pirama não me deixam mentir.
Depois vieram os pessimistas, o pensamento deprimido que levava jovens a verem na morte a única saída para a impotência que temos diante do mundo e seus males. Lord Byron foi um grande nome e influenciou poetas do mundo inteiro, entre eles, nossos brasileiros Álvares de Azevedo e Casimiro de Abreu.
A mulher era um anjo intocável, uma dozela pura de corpo e alma e perfeita nos dois extremos. O amor bastava por si próprio e muitos amantes poderiam viver e se alimentar apenas de uma imagem, de uma lembrança, sem necessidade da presença física. Claro que a distância causava sofrimento e este sentimento era cantado de uma forma muito intensa na obra do sofredor.
Depois vieram os tempos mais amenos, nos quais os amores já não precisavam estar distantes e o amor carnal já era cantado pelos cavalheiros sem que eles perdessem a honra. Foi numa época em que o Romantismo voltou-se verdadeiramente para o conceito de liberdade e os românticos não fechavam mais os olhos para a relidade a sua volta. Seriam anúncios de uma nova estética que surgiria no final do século XIX? O certo é que o francês Victor Hugo foi um dos principais escritores a difundir a ideia da liberdade que era representada pelo CONDOR, pássaro que voa livre pela Cordilheira dos Andes e representa como ninguém o que é ser livre. No Brasil, temos figuras ilustres desta época, como o baiano Castro Alves, que na poesia uma forma de gritar a revolta contra o sistema escravocrata em nosso país. As condições de transporte dos africanos através do navio negreiro, a saudade da terra natal, o choro da Mãe Africa pelos seus filhos levados, foram alguns dos temas utilizados pelo poeta e dramaturgo na sua obra abolicionista.
Embora tenha sido (e ainda seja) muito criticado pelas estéticas literárias posteriores, o Romantismo tem grande valor por marcar o início de uma nova Era na Literatura, que acompanhava o pensamento e a filosofia dos novos sistemas finaceiros e sociais que surgiam. Grandes obras se tornaram clássicos e, por isso, tornaram-se atemporais, sendo contempladas com admiradores até nossos dias, pois não podemos afirmar um fim cronológico para o movimento, já que ele continua vivo e vai se perpetuar na História, embora a sociedade se volte cada vez mais para o materialismo e o objetivismo.