domingo, 15 de novembro de 2009

Escritores e a Bíblia



Muitos escritores se valem de temas bíblicos. É natural, pois a Bíblia possui todo tipo de estórias: dramas, romances, guerra, superação...o português José Saramago, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, embora ateu, se valeu do Antigo e do Novo Testamento para a construção de dois dos seus romances; o romance "Evangelho segundo Jesus Cristo" trata da história mais famosa conhecida pela humanidade pelo ângulo do protagonista Jesus Cristo. É óbvio que José Saramago procurou mostrar os conflitos humanos de Jesus acima dos conflitos divinos. Recentemente, o escritor português publicou "Caim", que mostra a visão do irmão "mau" sobre fatos do Antigo Testamento.

Machado de Assis também foi até a Bíblia buscar inspiração para o romance "Esaú e Jacó". Embora os nomes dos gêmeos protagonistas sejam Paulo e Pedro, o enredo sobre a rivalidade entre os dois irmãos tem inspiração clara na estória dos filhos gêmeos de Isaac, que, assim como Pedro e Paulo, eram opostos desde dentro da barriga da mãe. Rebeca, esposa de Isaac, sentia que os filhos seriam rivais quando os sentia brigar dentro de seu ventre. Quando Natividade, vai até uma cartomante perguntar porque seus filhos brigam desde bebês, ela fica sabendo que seus filhos não se entendiam dentro de sua barriga, portanto, estavam destinados a rivalidade.

O grande poeta português Luís Vaz de Camões utilizou a romântica estória de amor entre Jacó e Raquel para compôr um belo soneto clássico.







Sete anos de pastor Jacob servia




Sete anos de pastor Jacob servia


Labão, pai de Raquel, serrana bela;


Mas não servia ao pai, servia a ela,


E a ela só por prémio pretendia.





Os dias, na esperança de um só dia,


Passava, contentando-se com vê-la;


Porém o pai, usando de cautela,


Em lugar de Raquel lhe dava Lia.





Vendo o triste pastor que com enganos


Lhe fora assi negada a sua pastora,


Como se a não tivera merecida;





Começa de servir outros sete anos,


Dizendo – Mais servira, se não fora


Para tão longo amor tão curta a vida.






Jacó (no poema Jacob) aparece como um homem apaixonado que faz tudo pelo amor da filha mais nova de Labão, a bela Raquel. Servindo sete anos o pai da amada, ele sabe que está servindo a ela, pois chegaria o dia em que poderiam viver seu grande amor. Jacó não percebia que Labão usava de cautela para com ele, pois, no dia do casamento, ele oferece a mais velha Lia no lugar da noiva prometida. Jacó entende então, que a filha mais velha deveria se casar antes da mais nova e portanto, tem que servir outros sete anos para finalmente, ter direito a sua amada.






sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Ao coração que sofre - Olavo Bilac

Ao coração que sofre

Ao coração que sofre, separado
Do teu, no exílio em que a chorar me vejo,
Não basta o afeto simples e sagrado
Com que das desventuras me protejo.

Não me basta saber que sou amado,
Nem só desejo o teu amor: desejo
Ter nos braços teu corpo delicado,
Ter na boca a doçura de teu beijo.

E as justas ambições que me consomem
Não me envergonham: pois maior baixeza
Não há que a terra pelo céu trocar;

E mais eleva o coração de um homem
Ser de homem sempre e, na maior pureza,
Ficar na terra e humanamente amar.


O Movimento literário conhecido como Parnasianismo, cultivava a "arte pela arte", a forma perfeita, temas clássicos e amorosos...a perfeição outrora reverenciada pelos gregos nas suas belas esculturas, ganhou vida novamente através dos poemas Parnasianos. Como se preocupava muito com a beleza, é natural que o poeta parnasiano não se preocupasse em cultivar o amor espiritual que os românticos tanto vivificaram...inúmeros poemas eróticos, enaltecendo as formas perfeitas da amada, compõe parte da produção Parnasiana.
O "Príncipe dos Poetas" brasileiros, Olavo Bilac, foi sem dúvida, o mais popular entre os Parnasianos. Naturalmente, pois, sua obra é permeada de temas sentimentais, que sempre se tornam mais populares entre os leitores, já que o amor é um tema recorrente e universal.
No soneto "Ao coração que sofre", Bilac, já na primeira estrofe, anuncia que seu amor não é apenas inocente e espiritual, já que sofre por ter o coração separado da amada e afirma que não basta o simples e sagrado.
Não basta apenas saber-se amado, é preciso sentir-se amado, tocar o corpo da mulher amada, ver este amor acontecer.
O amante ainda afirma que tais desejos não o envergonham, pelo contrário, ele sente que a verdadeira baixeza é trocar a Terra pelo Céu, conceito oposto ao dos românticos (principalmente da geração do mal do século), que acreditavam que o verdadeiro sentimento não precisa consumar-se aqui na Terra, mas sim, na pureza dos céus...para os românticos a mulher era um anjo, para os parnasianos era uma fonte de desejos.
A última estrofe deixa claro a posição antropocentrista Parnasiana, já que o poeta afirma que o coração do homem é elevado permanecendo do homem, obedecendo assim, seus instintos naturais humanos. Há pureza no amor carnal também, segundo Bilac, e o homem deve humanamente amar e não tentar ser anjo ou Deus.

sábado, 7 de novembro de 2009

O Homem Bicentenário


Este filme conta com a atuação de Robin Willians no papel de um robô que acompanha a trajetória de uma família desde 2005 passando por quase duzentos anos de história.
Relata com muita sensibilidade a mecanização das relações, numa sociedade onde robôs são programados para servir os seres humanos.
O personagem principal se destaca por nutrir sentimentos que ficam cada vez mais profundos até que ele se transforma praticamente num ser humano também. Ele se apaixona e cultiva sentimentos como o ciúme, por exemplo.
O filme é mais do que uma história romântica sobre um grande amor que vence as diferenças. É uma inversão dos valores modernos. Enquanto a modernidade e a tecnologia pregam a mecanização do homem e das relações humanas, o filme apresenta um robô que quer ser humano, não apenas aparentemente, mas também, emocionalmente. O velho robô, destinado ao lixo, é mantido pelo dono, que concede a ele liberdade para abrir sua mente através da leitura, este é um bom argumento para ser usado com pessoas que não gostam de ler, pois, o ser mecânico só consegue se livrar da escravidão que sua condição impõe, através do seu conhecimento, pois, a sabedoria aliada ao amor, o tornam humano, masi humano até do que muitos homens e mulheres nascidos na condição humana.

Modernismo (contexto histórico)


Após os governos militares do início da República, os senhores rurais retornavam ao poder, fortalecidos então pela vigorosa economia do café, que girava em torno do eixo São Paulo - Minas Gerais. A partir do governo de Campos Sales (1.898 - 1.902), foi instituída "Política dos Governadores", ou seja, os governadores apoiavam o governo federal e este apoiava os governos Estaduais. Essa situação acabou gerando as oligarquias, ou seja. Família ou grupos políticos que se perpetuavam no poder. No cenário nacional, os presidentes passavam a ser eleitos ora por São Paulo ora por Minas Gerais, resultando na famosa política do café-com-leite, que perdurou até 1.930. Por outro lado, as principais cidades brasileiras, em particular a cidade de São Paulo conheceram uma rápida transformação como decorrência do processo industrial. Foi a primeira guerra mundial (1.914 - 1.918) a responsável pelo surto de industrialização e conseqüente urbanização: 1.907 contávamos 3.358 indústrias no Brasil; 1.920 esse número chegou a 13.336. Isso significou o surgimento de uma burguesia industrial cada dia mais forte, mas marginalizada pela política econômica do governo Federal voltada para produção e exportação do café. Ao mesmo tempo, aumentava consideravelmente o número de imigrantes Europeus (notadamente Italianos) que se dirigiam para a região economicamente prospera, seja a zona rural onde havia o café, seja a zona urbana onde estavam as indústrias. No período de 1.903 a 1.914, o Brasil recebeu cerca de 1,5 milhões de imigrantes. Nos centro urbanos existia ainda uma larga faixa da população pressionada, por cima, pelos barões do café e pela alta burguesia, e por baixo pelo operariado, era a pequena burguesia de caráter reivindicatório formada entre outros por funcionários públicos, comerciantes, militares e profissionais liberais. Como se percebe era um Brasil dividido entre o urbano e o rural. Mas o bloco urbano não era homogêneo, pelo contrario, o operariado urbano de origem européia traziam uma experiência de lutas de classe: eram trabalhadores, em sua maioria anarquistas, que se organizavam e publicavam jornais como La Battaglia, que circulou em São Paulo entre 1.901 a 1.911, e a Terra livre, também paulista que circulou entre 1.905 a 1.910. Como conseqüência, São Paulo assistiu a greves em 1.905, 1.907 e, a mais importante delas em 1.917. A partir de 1.918, tornaram cada vez mais comum na imprensa artigos a respeito da revolução russa de 1.917. O partido comunista seria fundado em 1.922 e desde então diminuiria a influência anarquista sobre o movimento operário. Assim poderíamos encontrar pela cidade de São Paulo, andando na mesma calçada do bairro dos Campos Elisios, um "barão do café”, um operário anarquista, um padre, um burguês, um nordestino, um professor, um negro, um comerciante, um comerciante, um advogado, um militar..., realmente uma "Paulicéia Desvairada", palco ideal para a realização de um evento que mostrasse uma arte inovadora a romper com velhas estruturas. Mário de Andrade em sua já citada conferência afirmava: "São Paulo era espiritualmente muito mais moderna, porém fruto necessário da economia do café e do industrialismo conseqüente. São Paulo estava, ao mesmo tempo, pela sua atualidade comercial e sua industrialização em contato mais espiritual e mais técnico com a atualidade do mundo". Confirmando o fato de que, desde sua origem, a Semana apresentou um lado político de ataque à aristocracia e à burguesia, assim se pronuncia Di Cavalcanti- que parece ter sido o primeiro a sugerir a realização de uma mostra modernista- em seu livro de memórias: "Eu sugeri a Paulo Prado a nossa Semana, que seria uma Semana de escândalos literários e artísticos, de meter os estribos na barriga da burguesiazinha paulistana".

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Depois da Guerra - Vinicius de Moraes


Depois da Guerra
Vinicius de Moraes

Depois da Guerra vão nascer lírios nas pedras, grandes lírios cor de sangue, belas rosas desmaiadas. Depois da Guerra vai haver fertilidade, vai haver natalidade, vai haver felicidade. Depois da Guerra, ah meu Deus, depois da Guerra, como eu vou tirar a forra de um jejum longo de farra! Depois da Guerra vai-se andar só de automóvel, atulhado de morenas todas vestidas de short. Depois da Guerra, que porção de preconceitos vão se acabar de repente com respeito à castidade! Moças saudáveis serão vistas pelas praias, mamães de futuros gêmeos, futuros gênios da pátria. Depois da Guerra, ninguém bebe mais bebida que não tenha um bocadinho de matéria alcoolizante. A coca-cola será relegada ao olvido, cachaça e cerveja muita, que é bom pra alegrar a vida! Depois da Guerra não se fará mais a barba, gravata só pra museu, pés descalços, braços nus. Depois da Guerra, acabou burocracia, não haverá mais despachos, não se assina mais o ponto. Branco no preto, preto e branco no amarelo, no meio uma fita de ouro gravada com o nome dela. Depois da Guerra ninguém corta mais as unhas, que elas já nascem cortadas para o resto da existência. Depois da Guerra não se vai mais ao dentista, nunca mais motor no nervo, nunca mais dente postiço. Vai haver cálcio, vitamina e extrato hepático correndo nos chafarizes pelas ruas da Cidade. Depois da Guerra não haverá mais Cassinos, não haverá mais Lídices, não haverá mais Guernicas. Depois da Guerra vão voltar os bons tempinhos do carnaval carioca com muito confete, entrudo e briga. Depois da Guerra, pirulim, depois da Guerra, vai surgir um sociólogo de espantar Gilberto Freyre. Vai se estudar cada coisa mais gozada, por exemplo, a relaÇão entre o Cosmos e a mulata. Grandes poetas farão grandes epopéias, que deixarão no chinelo Camões, Dante e Itararé. Depois da Guerra, meu amigo Graciliano pode tirar os chinelos e ir dormir a sua sesta. Os romancistas viverão só de estipêndios, trabalhando sossegados numa casa na montanha. Depois da Guerra vai-se tirar muito mofo de homens padronizados pra fazer penicilina. Depois da Guerra não haverá mais tristeza: todo o mundo se abraçando num geral desarmamento. Chega francês, bate nas costas do inglês, que convida o italiano para um chope no Alemão. Depois da Guerra, pirulim, depois da Guerra, as mulheres andarão perfeitamente à vontade. Ninguém dirá a expressão "mulher perdida", que serão todas achadas sem mais banca, sem mais briga. Depois da Guerra vão se abrir todas as burras, quem estiver mal de cintura, faz logo um requerimento. Os operários irão ao Bife de Ouro, comerão somente o bife, que ouro não é comestível. Gentes vestindo macacões de fecho zíper dançarão seu jiterburgue em plena Copacabana. Bandas de música voltarão para os coretos, o povo se divertindo no remelexo do samba. E quanto samba, quanta doce melodia, para a alegria da massa comendo cachorro-quente! O poeta Schmidt voltará à poesia, de que anda desencantado e escreverá grandes livros. Quem quiser ver o poeta Carlos criando, ligará a televisão, lá está ele, que homem magro! Manuel Bandeira dará aula em praça pública, sua voz seca soando num bruto de um megafone. Murilo Mendes ganhará um autogiro, trará mensagens de Vênus, ensinando o povo a amar. Aníbal Machado estará são como um perro, numa tal atividade que Einstein rasga seu livro. Lá no planalto os negros nossos irmãos voltarão para os seus clubes de que foram escorraçados por lojistas da Direita (rua). Ah, quem me dera que essa Guerra logo acabe e os homens criem juízo e aprendam a viver a vida. No meio tempo, vamos dando tempo ao tempo, tomando nosso chopinho, trabalhando pra família. Se cada um ficar quieto no seu canto, fazendo as coisas certinho, sem aturar desaforo; se cada um tomar vergonha na cara, for pra guerra, for pra fila com vontade e paciência — não é possível! esse negócio melhora, porque ou muito me engano, ou tudo isso não passa de um grande, de um doloroso, de um atroz mal-entendido!
(Maio de 1944)



Vinicius de Moraes nos conta seu sonho para o Brasil quando a Segunda Guerra terminasse... a tempestade precede dias de sol. O Poetinha não ficou completamente feliz, já que a total perfeição em nossa pátria ainda é uma utopia... hoje, entre uma guerra e outra, os homens continuam mesmo tomando um chopinho e trabalhando para a família, esperando que este mal-entendido acabe e seu fim traga a paz plena e verdadeira. Grande engano.Os homens não devem esperar que a Guerra traga a paz, isto é uma ilusão de governos que precisam de uma razão para lutar pelos seus próprios interesses.


quarta-feira, 4 de novembro de 2009

A Moradora de Wildfell Hall - Anne Brontë


Quando Anne Brontë publicou no ano de 1848 o romance "A Moradora de Wildfell Hall" sob o pseudônimo de Acton Bell, a sociedade puritana inglesa o julgou inapropriado para o público feminino. Mal sabiam que a responsável pela obra era uma jovem do campo, de sáude frágil, não destinada a viver por muito tempo.
Considerado um dos primeiros livros a denunciar a submissão feminina na sociedade inglesa, o romance apresenta um novo posicionamento da mulher em relação ao homem, pois, para Anne Brontë, a mulher deveria ser dona do seu próprio destino. Pode parecer um tema banal nos dias atuais, mas para a época, foi um grande marco.
A protagonista Helen, mora com os tios e recusa vários pedidos de casamento, alguns vindos de verdadeiros cavalheiros, outros de homens com pouco valor moral. Sob protestos da tia, Helen se apaixona e se casa com Arthur Huntingdon, um jovem libertino e apreciador dos prazeres da vida. Helen, uma mulher religiosa, acredita que poderá através da sua força salvar o marido daquele mundo de vícios no qual ele vivia.
Tempos depois da união, Helen percebe que sua missão fica cada vez mais difícil, pois Arthur não abandona a vida sem regras, a justificando com uma espécie de carpe diem. Nem mesmo o nascimento do primeiro filho do casal serve para mudar as atitudes de Arthur.
Cada vez mais perdido no vício do álcool, Arthur chega ao ponto de trair a esposa dentro da própria propriedade do casal, com a esposa de um velho amigo seu.
Decidida a livrar-se da situação na qual vive, Helen arquiteta uma fuga com o filho e a velha governanta da casa, mas é frustrada por Arthur que descobre tudo.
Com a ajuda do irmão, Frederick, ela consegue enfim, livrar-se do casamento fracassado, fugindo com seu filho e sua fiel governanta para um local distante, precisamente, para a propriedade rural de Wildfell Hall.
A população local não aceita bem o fato daquela mulher misteriosa morar na velha casa abandonada e logo Helen se vê cercada por boatos sobre seu caráter e sua reputação.
Apenas Gilbert Markham, um jovem fazendeiro vizinho, tem simpatia pela nova moradora da região. Depois de conviver algum tempo com Helen, ele apaixona-se perdidamente, cercado a amada de propostas.
Anne Brontë possuía convicções religiosas e sendo filha de um pastor anglicano, nuca permitiria que sua heroína cometesse um adultério. Este é o ponto que dá ao romance a dosagem certa entre o escândalo e o libero feminista.
Mesmo com um marido tirano e infiel, Helen rejeita os carinhos de Markham e depois que ele descobre todos os segredos de Helen, ela chega a dizer que o amor dos dois só será possível no céu, pois enquanto seu marido viver, ela não poderá se entregar a outro homem.
Depois de algum tempo de fuga, Helen descobre que seu marido está doente, uma doença que é fruto dos vícios que ele cultivava. Prontamente, ela volta à sua antiga casa e cuida de Arthur até o dia da sua morte, tentando até o último momento convertê-lo daquele comportamento pervertido. As ações de Helen são em vão, pois, Arthur morre sem que a esposa consiga sua conversão.
Mais de um ano depois de ficar viúva, Helen encontra-se novamente com Markham e, numa atitude muito ousada para a época, deixa claro que gostaria de passar o resto da vida ao lado dele.
O casamento próspero que a jovem viúva consegue, é um prêmio por sua luta e pela sua honestidade que manteve...um verdadeiro romance feminista da Era Vitoriana.