sábado, 25 de dezembro de 2010

Quando se perde um grande amor...

A morte da mulher amada já foi tema de muitos romances, contos, músicas...na poesia não poderia ser diferente. Os anos dourados do Classicismo português tiveram como grande representante o grande poeta Luís Vaz de Camões, exímio no uso da língua portuguesa e também na arte de contruir versos marcantes. Num dos seus sonetos mais famosos ele cria a imagem do apaixonado que sente a perda da mulher amada para a morte:



Alma minha gentil, que te partiste
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

O inconformismo do amante e da amada com a separação são muito claros, pois ela partiu cedo e descontente, vivendo eternamente no céu e deixando um homem triste aqui na Terra, também por toda a eternidade. Camões conversa com a amada sobre a vida após a morte, grande mistério para quem fica. Ele pede que, se for permitido a ela lembrar-se do grande amor que deixou aqui, e se a dor desta mágoa puder ter fim sendo o amado merecedor desta dádiva, que rogue a Deus para que o leve cedo também, para que possa vê-la, já que ela lhe fora tirado tão cedo. Uma visão espiritual e inconformista do tema.

Já nos anos em que o Parnasianismo fez morada em terras brasileiras (saudoso do Classicismo), Olavo Bilac, o Príncipe dos Poetas, utilizou versos da "Divina Comédia" como título de um belo soneto:



Nel Mezzo Del Cammin

Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E a alma de sonhos povoada eu tinha...

E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.

Hoje, segues de novo... Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.

E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.

O eu-lírico, primeiramente, conta a estória do encontro...eles chegaram um para o outro já tristes, fadigados pela longa caminhada, mas com sonhos na alma. Nesta estrada da vida, eles pararam subitamente e uniram suas vidas, prenderam uma a outra. A partir da terceira estrofe ele fala da nova partida, desta vez apenas ela partirá, seguindo de novo sem lágrimas, sem se comover com a dor da despedida. Frieza? Não. ela partiu na extrema curva, no caminho extremo, partiu para a morte, enquanto ele ficaria solitário, vendo seu vulto desaparecer. Diferente do poema de Camões, aqui não existe uma vontade clara de partir também, mas sim um olhar extático do amante em ver sua amada partindo agora para um caminho sem volta, deixando-o eternamente só.

Quando Carolina Xavier, esposa e companheira de Machado de Assis partiu desta vida, o marido lhe dedicou um belo poema que resumia a vida do casal e o sentimento de perda irreparável do que invadia o coração do escritor.


A CAROLINA

QUERIDA, AO PÉ DO LEITO DERRADEIRO
EM QUE DESCANSAS DESSA LONGA VIDA.
AQUI VENHO E VIREI, POBRE QUERIDA,
TRAZER-TE O CORAÇÃO DO COMPANHEIRO.

PULSA-LHE AQUELE AFETO VERDADEIRO
QUE A DESPEITO DE TODA A HUMANA LIDA,
FEZ A NOSSA EXISTÊNCIA APETECIDA
E NUM RECANTO PÔS UM MUNDO INTEIRO.

TRAGO-LHE FLORES, RECANTOS ARRANCADOS
DA TERRA QUE NOS VIU PASSAR UNIDOS
E ORA MORTOS NOS DEIXA SEPARADOS.

QUE EU, SE TENHO NOS OLHOS MAL FERIDOS
PENSAMENTOS DE VIDA FORMULADOS,
SÃO PENSAMENTOS IDOS E VIVIDOS.

O soneto machadiano não tem em si o mesmo inconformismo, ou o olhar extático dos anteriores, é uma constatação de que, depois da partida da grande companheira, não resta mais nada a ele, já que seus pensamentos são idos, são vividos. Talvez isso se deva ao fato de Machado compreender que sua vida logo vai encerrar-se e que Carolina havia cumprido sua missão de esposa, amiga, grande apoio da sua vida.

Perder uma pessoa amada não é fácil para nenhum ser humano, pois espiritualizados ou não, é difícil aceitar que não temos mais a presença física do amor ao nosso lado. Em qualquer período literário e histórico, homens e mulheres choraram através da Literatura a impotência do homem perante a morte que, cedo ou tarde, separa amantes fisicamente, deixando vivo o sentimento que é eterno.

Um comentário:

  1. Somos aspirantes para descrever sobre esses eternos e gigantes gênios da literatura.
    o tempo não passou para eles.Como exemplo vamos a Érico Verìssimo:De que vale construir arranhas ceus, se não ha mais almas humanas para morar neles?...

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