quinta-feira, 6 de maio de 2010

Ensaio Sobre a Cegueira - José Saramago


Alguma vez na vida, você já se perguntou como seria ficar cego? Como seria depender dos seus outros sentidos para viver? Comer, beber, tomar banho, ir a algum lugar, estudar. Os olhos são a janela da alma, mas o que aconteceria se subitamente essas mesmas janelas ficassem embaçadas ou sujas de leite? E se você não fosse o único? E se essa cegueira se transformasse numa epidemia sem explicação ou forma de contágio? Bem vindo a Ensaio Sobre a Cegueira de José Saramago.
Logo de cara somos apresentados a primeira “vítima”, um homem perde a visão num semáforo, um pedestre caridoso se oferece para levá-lo até a sua casa e rouba-lhe o automóvel. Uma garota tem um caso de conjuntivite, fica cega num quarto de hotel enquanto se prostituía e é deixada no corredor do mesmo, nua e desesperada. Um oftalmologista, ao tratar do primeiro cego, chora ao saber que também foi “contaminado”, sua esposa aguarda que a vez dela chegue.
Mas ela não vem.
Como o governo vai lidar com uma epidemia de cegueira? Quais são as formas de contágio? Como o motorista roubado perdeu a visão assim sem mais nem menos? Essas são as primeiras perguntas que nos surgem na cabeça conforme lemos o livro. Mas calma! Algumas delas têm resposta. Só algumas, e acreditem, elas não são legais.
A princípio, os primeiros cegos são colocados num dormitório abandonado, com direito a rações diárias e só. Até aí, juntam-se o motorista, o ladrão de automóvel, e a garota com conjuntivite – que no livro é identificada como rapariga dos óculos escuros -, o oftalmologista, sua esposa e um garotinho com caso de estrabismo. Lidar com seis pessoas não é tão fácil, mas também não é impossível.
Mas e quando essas seis pessoas viram dez? E essas dez viram vinte? E essas vinte viram duzentas, e de duzentas viram uma cidade inteira? Não há rádio para comunicar os acontecimentos no mundo, não há ordem e nem proteção. É cada um por si. E Saramago aborda essa questão de lealdade e companheirismo. Em um momento de pânico mundial, você confiaria em pessoas que nem o rosto lhe é conhecido?
A quantidade de pessoas cegas é tão grande que a solução é organizarem-se em três dormitórios. A partir daí Saramago mostra como o convívio social pode ser difícil e pode levar a situações drásticas, que vão desde brigas, a criação de uma “ditadura”, passando por abuso sexual e mortes.
E caso você esteja se perguntando o que o governo fez para lidar com tudo isso eu te respondo: NADA. O exército entrega a comida diariamente e o que acontece dentro do alojamento dos cegos é problema deles. O medo que os soldados sentem da cegueira é tão grande que recebem ordens de matar qualquer “contaminado” que se aproximasse demais.
A mulher do oftalmologista é a única do livro todo que consegue enxergar e é basicamente a única “janela” que o leitor tem para conseguir ingressar na situação que os cegos passam, e como se não bastasse ter somente uma fonte de referência sobre a trama, a forma como o livro é diagramado contribui para o sentimento de cegueira do leitor.
Isso mesmo, conforme lê Ensaio, você também acaba sendo “contaminado” pela cegueira branca. E ai você me pergunta:
“Mas que diabos é essa cegueira branca? Eles enxergam um monte de algodão doce?”
Não! O que acontece é o seguinte: esse tipo de cegueira é diferente da cegueira normal, enquanto os cegos enxergam preto, os “novos cegos” como são caracterizados no livro, enxergam branco, como se tudo fosse um grande mar de leite. Entendeu agora o porquê da sujeira branca na janela dos olhos?
Primeiro que não há nomes para nenhum dos personagens, só há características que nos permitem identificar quem é quem e quem fez o quê. Segundo que a falta de pontos finais, travessão e por vezes parágrafos na diagramação do livro contribuem para essa sensação de estar desnorteado, te coloca na pele daqueles que foram “vítimas” da cegueira. Tudo é separado em vírgulas, ação de fala, descrição, etc. Dois pontos ruins: essa mesma diagramação depois de um tempo acaba te cansando e se você não prestar atenção conforme lê acaba se perdendo na trama, e vamos combinar que isso é um saco.
Terceiro: as descrições são precárias. Saramago só diz o suficiente, e por vezes nem isso te ajuda. Isso faz com que o sentimento de cegueira aumente. Mas o legal é que, como em todo o livro, parte de você imaginar como as coisas são ou ficou inclusive uma cidade em que todos os habitantes se encontram cegos.
E pra você que leu ou vai Ler e gostou, eu tenho boas notícias, o livro tem continuação. Você provavelmente se pergunta o que aconteceu depois do final, certo? Pois bem, a segunda parte escrita por Saramago e intitulada Ensaio Sobre a Lucidez tem as respostas das suas perguntas.
Ensaio Sobre a Cegueira é um livro forte e angustiante. Lida com temas como medo, egoísmo, companheirismo, desespero e desolação. Fora o fato de você sentir a mesma pressão que a esposa do oftalmologista sente no desenrolar da trama, tentar entender a situação dos demais ajuda muito na hora de se interar no livro. Conforme você lê você se sente cego, a única diferença é que você enxerga.
Ps.: Esta resenha foi feita por Bruna Rodrigues - aluna do terceiro ano do Ensino Médio do Colégio Estadual Floriano Landgraf da cidade de Santo Antonio do Paraiso.

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