terça-feira, 7 de julho de 2009

Pontos obscuros do romance "O Morro dos Ventos Uivantes" de Emily Brontë

O romance “O Morro dos Ventos Uivantes” se perpetua como um livro ímpar, sem igual e sem classificação. O estilo de Emily Brontë é único e não permite comparação já que escreveu apenas esta obra-prima, que lhe consagrou um lugar de honra na Literatura Mundial. O que faz o encanto permanecer? Esta é uma questão de difícil resposta, pois, cada leitor se identifica com alguma característica do livro, que é cheio de personagens complexos e com uma personalidade ambígua. Porém, é fácil acreditar que os pontos obscuros presentes no romance são responsáveis por muitos admiradores e teses acerca dele. Os pontos obscuros estão presentes já no início da narrativa. A personagem Catherine Heathcliff (filha de Catherine Earnshaw e Edgar Linton) deixa para o Senhor Lockwood, na primeira vez que se vêem no Morro dos Ventos Uivantes, uma imagem violenta e rancorosa, pouco simpática e selvagem: “- (...) Vocês todos serão modelados em cera e em argila, e o primeiro que ultrapassar os limites que eu fixar... Não direi o que lhe acontecerá, mas vocês verão. (...)”. ( Bronte 1971, p. 20.). Já Nelly Dean apresenta a moça para o Senhor Lockwood como uma jovem encantadora e diz que é difícil conhecê-la e não amá-la:
(...) “Era a criatura mais sedutora que jamais apareceu como um raio de sol para uma casa desolada.” (...) “Seu gênio era vivo, mas sem rudeza, e temperado por um coração sensível e ardente em excesso nas suas afeições.” (...) “Sua cólera não era jamais furiosa, seu amor jamais era violento, mas profundo e terno.” (Bronte 1971, p. 179.).
Duas hipóteses são válidas de apreço para esta situação. A primeira é a de que a jovem Catherine é mesmo um poço de ternura e naquele momento se sentia embrutecida, com uma necessidade de se defender perante o algoz Heathcliff. Outra hipótese é a de que Nelly Dean mantia por Catherine Heathcliff um carinho materno e isto a tornava cega perante as falhas de caráter da jovem. Outro ponto que incita a imaginação dos leitores é a origem de Heathcliff. Isto serve para que Emily deixe brechas na personalidade de Heathcliff que não permitem aos leitores nem amá-lo nem odiá-lo. Como explicar o que viveu o menino sujo encontrado pelo Senhor Earnshaw nas ruas de Liverpool, já com sete anos? Porque ele não diz nada sobre o seu passado? Sofrimento demais que não permite nem a manifestação de lembranças? Falta de memória? A sua vida sempre foi nas ruas? Questões como estas dificilmente serão respondidas, pois, Emily Brontë não deixou nenhum esclarecimento sobre seu personagem misterioso. O pequeno Heathcliff difere dos Earnshaw e isto é sentido logo na apresentação. A cor escura da pele leva-os a acreditar numa origem cigana e mais tarde, traços da personalidade também indicarão isto.“Rodeamo-lo e, por cima da cabeça da Srta. Cathy, lobriguei um menino, sujo, maltrapilho, de cabelos pretos, grande bastante para andar e falar.” (...) “quando o puseram de pé, limitou-se a olhar em redor, repetindo uma algaravia que ninguém conseguia entender”. (Bronte 1971, p. 40). Características folclóricas estão ligadas à origem cigana de Heathcliff. Quando ele, no auge da sua agonia, ao saber da morte de Catherine, lhe deseja que acorde no meio do tormento e que não descanse enquanto ele estivesse na terra, evoca uma antiga lenda de que os ciganos rogam pragas nas pessoas e que estas sempre se realizam. É um poder místico garantido a eles.
“– Que ela desperte no meio dos tormentos! – gritou ele com terrível veemência, batendo com os pés e gemendo, num súbito paroxismo de desgovernada paixão. – Será que ela mentiu até o fim?! Onde está ela? Lá não... no céu não... consumida não... onde? Oh! tu dizias que não davas importância a meus sofrimentos! E eu rezo uma oração... hei de repeti-la até que minha língua se entorpeça... Catherine Earnshaw, possas tu não encontrar sossego enquanto eu tiver vida! Dizes que te matei, persegue-me, então! A vítima persegue seus matadores, creio eu. Sei que fantasmas têm vagado pela terra. Fica sempre comigo... encarna-te em qualquer forma... torna-me louco! Só não quero que me deixes neste abismo, onde não posso te encontrar! Oh, Deus! É inexprimível! Não posso viver sem a minha vida! Não posso viver sem a minha alma!” (Bronte 1971, p. 159 e 160).
O ponto que talvez cause maior curiosidade entre os leitores, é a forma como Heathcliff enriquece depois de três anos longe do Morro dos Ventos Uivantes.
(...) “pude perceber, melhor que antes, com grande estupefação, quando ele mudara. Era agora um homem de boa compleição, de levada estatura e de formas atléticas,” (...). “Seu porte ereto dava a idéia de que já houvesse estado no exército. A expressão e a decisão de seus traços davam-lhe uma aparência de ser mais velho que Linton. Revelavam inteligência e não conservavam sinais da antiga degradação. Uma ferocidade semicivilizada ocultava-se ainda nas sobrancelhas caídas e nos olhos cheios dum negro fulgor, ferocidade que ele conseguia dominar. Suas maneiras eram até mesmo dignas, completamente desprovidas de rudeza, embora demasiado severas para serem atraentes.”(Bronte 1971, p. 95.).
Numa sociedade preconceituosa e que visava as raízes e a nobreza familiar dos indivíduos, como poderia um jovem semi-analfabeto, cigano, órfão e sem experiência no trabalho na cidade grande conseguir sobreviver e ainda guardar dinheiro! Os últimos dias de Heathcliff são ricos em momentos misteriosos; neles o clima de terror se faz presente, e em muitos momentos, ele chega a perguntar a Nelly se eles realmente estavam sozinhos na casa. Neste ponto destaca-se o misticismo presente no livro. Catherine continuaria no “Morro dos Ventos Uivantes” caminhando perto de Heathcliff todos os vintes anos desde a sua morte?
“Ele não me ouviu; no entanto, sorriu. Preferiria vê-lo rilhar os dentes a contemplá-lo sorrindo assim. - Sr. Heathcliff! Patrão! – gritei. – Pelo amor de Deus, não arregale assim esses olhos como se estivesse vendo uma visão sobrenatural. - Pelo amor de Deus, não grite tão alto – replicou ele. – Olhe bem por toda a parte e diga-me se estamos mesmo sós. - Sem dúvida estamos sozinhos.”(Brontë, 1971, p.307)
"No entanto, obedeci-lhe involuntariamente, como se não estivesse bem certa. Com um gesto, ele afastou na mesa o que estava diante de si e inclinava-se para olhar mais à vontade.
Percebi então que não era para a perde que ele olhava, porque, observando-o, notei que seus olhos pareciam exatamente dirigidos para uma coisa que se acharia a dois metros à sua frente. Qualquer que fosse essa coisa, causava-lhe, aparentemente, ao mesmo tempo uma dor e um prazer extremos. Era pelo menos a idéia que sugeria a expressão angustiada, e, no entanto, extasiada de seu rosto. O objeto imaginário não era fixo. Seus olhos o seguiam com uma atividade infatigável e, mesmo quando ele me falava, nunca se destacavam do seu alvo.”(Bronte 1971, p. 307 e 308).
Esta situação faria parte da Praga jogada por Heathcliff na hora da morte de Catherine? Ela não teria mesmo descanso enquanto ele vivesse? A morte de Heathcliff é tão misteriosa quando foi a sua própria vida.
“ O Sr. Heathcliff (...) estendido de costas. Seus olhos reencontraram os meus... tão agudos e tão ferozes que estremeci. Depois pareceu-me que ele sorria. Não podia crer que estivesse morto. Mas seu rosto e seu peito estavam encharcados pela chuva, os lençóis pingavam água e ele jazia completamente imóvel. A janela, que batia, lhe havia esfolado uma mão, que se apoiava no rebordo. O sangue não corria da ferida e, quando pus nela os dedos, não pude mais duvidar: ele estava morto e rígido! Prendi a janela. Afastei da fronte de Heathcliff seus longos cabelos negros. Tentei fechar-lhe os olhos para extinguir, se possível, antes que outrem lhe pudesse ver, aquele horrível olhar de exultação, que lhe dava a impressão de vida. Seus olhos recusaram-se a fechar-se: tinham o ar de zombar de meus esforços. Seus lábios abertos, seus dentes agudos e brancos zombavam também!” (Bronte 1971, p. 311).
Ele não se desviou da perdição e nos últimos dias de vida, assume uma postura melancólica e dualista. Chega a causar pena e horror. A própria Nelly se refere com medo ao comportamento de Heathcliff:
“_ Será ele um lobisomem ou um vampiro? – perguntava eu. Havia lido histórias a respeito desses horrendos demônios encarnados. Depois refleti que havia cuidado dele em sua infância, que fora testemunha de sua passagem à adolescência, que o havia seguido durante quase toda a sua existência e que era um absurdo ceder àqueles sentimentos de horror.” ( Bronte 1971, p. 306).
O desfecho do romance é ainda mais misterioso. Heathcliff e Catherine transformam-se em uma lenda: o amor proibido que não se concretizou em vida e só se realizou plenamente após a morte: “Que há, meu homenzinho? – perguntei. - Heathcliff e uma mulher estão lá embaixo, sob a ponta do rochedo – respondeu ele, soluçando -, e eu não tenho coragem de passar na frente deles.”( Bronte 1971 , p. 312.).
Desta forma, o romance dos meio-irmãos que foram separados pela sociedade, mas, unidos pelo amor, se consagra e permanece como um mito, com questões que nunca serão reveladas e que despertam nos leitores a catarse mais perfeita com os personagens que povoam o tempestuoso “Morro dos Ventos Uivantes”.

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