“São Bernardo” é um romance marcante de Graciliano Ramos no qual o social e o psicológico se fundem, construindo uma narrativa densa e comovente, que provoca no leitor emoções diferentes em respeito dos personagens. Desta forma, é uma obra de profunda análise das relações humanas. O protagonista-narrador é Paulo Honório que conta a sua vida, desde a infância pobre na qual trabalhou como guia de um cego e vivia acolhido por uma preta velha. Ele sente uma necessidade de escrever para compreender os fatos não só da sua vida, mas, também da sua esposa Madalena. Na juventude, Paulo Honório foi preso por esfaquear um homem, durante uma briga por mulher. Ao sair da cadeia, ele passa a viver de pequenos biscates. Mas, logo descobre a sua astúcia para os negócios, astúcia que envolve a sua falta de escrúpulos em tomar atitudes desonestas, trapacear e se aproveitar de pessoas em desespero. Desta forma, ele consegue comprar a fazenda São Bernardo na qual ele havia trabalhado anos antes. O proprietário Luís Padilha era um jogador compulsivo e acaba tendo de vender a propriedade por um preço abaixo do custo. Já dono de São Bernardo, Paulo Honório trava uma briga com o vizinho Mendonça por causa de demarcações de terra. O vizinho estava avançando sobre as terras de São Bernardo. Ele acaba sendo assassinado enquanto Paulo conversa na cidade com o padre sobre a construção de uma capela na fazenda. A fazenda vive um grande período de crescimento, invade terras vizinhas, a criação se diversifica, a produção aumenta, constrói-se um açude, uma capela e até mesmo uma escola é construída no intuito de ganhar favores do governador. Padilha é convidado a ser professor da escola. Sabendo da necessidade de um herdeiro, Paulo Honório procura uma esposa e a procura como se ela fosse um objeto, idealizando uma mulher morena, saudável que pudesse lhe dar um filho também saudável e forte. Porém, ele conhece Madalena uma moça loura, professora da escola normal que vive com uma tia na cidade. Tratando o casamento como um negócio, ele mostra a ela as vantagens de se casar com um grande proprietário de terras, embora não existissem ainda sentimentos fortes entre eles. Eles se casam e Madalena vai viver na fazendo juntamente com a tia. Mas a vida com Madalena não seria um mar de rosas e Paulo Honório descobre isto logo nos primeiros dias de casado. A esposa era uma mulher humanitária e de opiniões próprias, não concorda com a forma como o marido trata os empregados, não lhes garantindo educação e explorando-os o máximo possível. Ela se torna a única pessoa que Paulo Honório não consegue transformar em objeto e isto o deixa muito revoltado. Madalena é dotada de um leve ideal socialista e se torna um obstáculo para a dominação do marido, acostumado a ser o senhor e dono de tudo e todos que vivem na fazenda São Bernardo. A única satisfação que Madalena proporciona ao marido é o filho que espera, um menino como Paulo Honório sempre quis. Percebendo que não consegue dominar a esposa e ela lhe foge das mãos, Paulo Honório passa a ter um ciúme doentio dela. Ela constrói um círculo de ofensas e humilhações que transformam a vida de Madalena num suplício fazendo com que se torne insuportável a convivência entre os dois. Ele imaginava que a mulher mantinha um caso com o professor Padilha, com um velho que morava na fazenda e até mesmo com os empregados que faziam os serviços na lavoura e eram chamados por Paulo Honório de “bichos”. Madalena também descobre o passado do marido, suas trapaças e desonestidades, e até mesmo a morte do vizinho Mendonça. Os dois têm discussões freqüentes e muito violentas e certo dia, quando Paulo Honório chega a casa, nota uma agitação e pessoas no quarto do casal, a tia de Madalena chorava muito, e ao aproximar-se Paulo Honório percebe que a esposa suicidou-se. Paulo Honório sente um grande vazio depois da morte da esposa. Os empregados pouco a pouco abandonam a fazenda e os amigos não fazem mais visitas freqüentes. A tia de madalena resolve ir embora e ele fica sozinho com o filho que para o seu desgosto, não sente carinho nenhum pelo pai. A fazenda já não prospera como antes e Paulo Honório percebe que construiu está destruído e ele mesmo se encarregou de destruir as pessoas que o rodeavam. As últimas páginas do romance trazem uma retrospectiva cheia de reflexões feitas por Paulo Honório que assume a sua culpa, mas, também afirma que teve a influência do meio no qual viveu. Uma vida agreste que lhe proporcionou uma alma agreste, endurecida, incapaz de se comover e ter atitudes sensíveis. É interessante quando Paulo Honório faz referência aos empregados que possuía, dizendo que eram “bichos”. Bichos domésticos, bichos que trabalhavam na lavoura... é um exemplo de como Paulo Honório transformava as pessoas em objetos que lhe serviam. A exemplo de outros grandes latifundiários nordestinos, o proprietário de São Bernardo explora os empregados e faz com que eles continuem sempre numa situação de vida estática, sem possibilidade de melhora até mesmo para seus filhos, que crescem na perspectiva de seguir o mesmo caminho dos pais. A situação agrária no Nordeste e em outras partes do interior do Brasil está presente no romance “São Bernardo”. A questão psicológica no romance é muito densa e complexa. O suicídio é o fim natural para uma mulher como Madalena, uma alma sensível que vê o mundo com olhos críticos e é obrigada a conviver com a aridez e a falta de princípios do marido, além de ter a sua dignidade posta em dúvida por ele. O feminismo ganha forças na imagem de Madalena. Paulo Honório e a fazenda São Bernardo se fundem e um reflete o outro. Quando ele consegue comprar a propriedade ela está em condições péssimas, e com seus métodos pouco ortodoxos, consegue levantá-la. Quando a vida de Paulo Honório se torna mais vazia, ele é abandonado por todos, a fazenda vive um período de decadência e se torna o único refúgio daquela alma agreste, que foi obrigada a conviver com a aridez da vida e da terra e por isto se tornou árida também, incapaz de apreciar as pessoas pelo que elas são e incapaz de ver a mulher sensível que Madalena era. Desta forma, só resta para Paulo Honório lembrar o passado e continuar vivendo a solidão e o vazio que ele mesmo provocou.
quinta-feira, 28 de maio de 2009
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