Dois acontecimentos decisivos aconteceram no panorama da vida política e social do país, quando Lima Barreto mal entrava para a escola primária: a abolição da escravatura (1888) e a Proclamação da Independência (1889).
Da abolição uma recordação indelével, é que, precisamente no dia em que a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, Lima Barreto completava sete anos de idade, e como presente de aniversário seu pai o levou ao Largo do Paço, para assistir aos festejos comemorativos.
Recordando, mais tarde a imagem da princesa, que naquele dia tinha vindo a janela para saudar o povo, loura, muito loura, maternal com um olhar doce e apiedade, Lima Barreto fala da missa no campo de São Cristóvão, das comemorações e do clima de festa que perdurou por vários dias, era como se o Brasil tivesse sido descoberto outra vez. Houve barulho de bandas de música, de bombas, indispensável ao nosso regozijo, e houve também préstitos cívicos. Construíram-se estrados para bailes populares, houve desfile de batalhões escolares e eu me lembro que vi a princesa imperial, na porta da atual prefeitura, cercada de filhos assistindo aquela fileira de numerosos soldados a desfilar pela cidade. Devia ser tarde ao anoitecer.
A proclamação da República no ano seguinte diluiria esse clima eufórico de confraternização social, fazendo com que a adolescência do futuro escritor coexistisse com o duro período de legalização do regime, inaugurado com o golpe militar encabeçado por Deodoro da Fonseca.
As lutas e dissidências que se seguem com a instalação da Assembléia Nacional Constituinte, de 15 de novembro de 1891, abrem uma série de conflitos políticos que trariam a insegurança para a nação, num quadro que se agrava quando Deodoro da Fonseca, ameaçado pelo Congresso, decide fecha-lo em 1891.
Vamos saber um pouco sobre os governos daquela época, as medidas ditatoriais então postas em prática, tais como o estado de sítio e a censura aos jornais, acarretam reações legalistas nos estados, particularmente em São Paulo, num momento em que Floriano Peixoto com o apoio do exército e da marinha, é levado ao poder para restaurar a ordem constitucional.
Começam então a ganhar forças grupos de poder cuja influência ideológica a obra de Lima Barreto tantas vezes repudiava, os segmentos militares autoritários e as minorias oligárquicas dos estados.
O próprio Floriano, que se propunha a governar, com a Constituição, ao adotar uma política de intervenção nos estados, por meio de alianças com grupos locais, aprofunda as dimensões. O país mergulha assim num ciclo de rebeliões que explodem tanto nos estados como na capital da República, particularmente depois de sua morte em 1895. são desse tempo a Revolução Federalista, de Gumercindo Saraiva no Rio Grande do Sul, a Revolta Armada, no Rio de Janeiro, a invasão de Santa Catarina e do Paraná pelos revoltosos, as manifestações jacobinistas da escola militar da praia vermelha, em repúdio a Prudente de Moraes, e a repressão desfreada aos monarquistas depois do fracasso da expedição Moreira Cezar a Canudos, tomada como pretenso foco de um levante restaurador.
O governo difícil de Prudente de Moraes (1894 – 1898), devido, sobretudo a permanência da máquina burocrática e política nas mãos dos aliados de Floriano, traria o acirramento na luta pelo poder do estado, a insatisfação militar e a crescente agitação das massas nos grandes centros urbanos. Tudo isso agravado por uma inflação que, a partir da crise do café atingia índices inesperados.
Ao seu sucessor Campo Sales (1898 – 1902) estaria reservada a tarefa de controlar os jacobinistas e os oligarcas, mediante ao apoio que através da política dos governadores, passou a receber dos estados influentes. O equilíbrio das finanças, obtido nesse período, permitirá ao próximo presidente, Rodrigues Alves (1902 – 1906), sanear e embelezar o Rio de Janeiro, reconstruindo a cidade, erradicando a febre amarela, e abrindo uma fase de prosperidade econômica.
Por essa época, Lima Barreto entra para a escola politécnica e começa a colaborar na imprensa. Pode assim testemunhar esse curto momento de progresso na história da Primeira República, reclamando sempre, um espaço maior para as classes oprimidas.
Os presidentes vão se sucedendo, a morte de Afonso Pena, o rápido mandato de Nilo Peçanha e a vitória nas eleições do Marechal Hermes da Fonseca sobre Rui Barbosa, aparecem na obra circunstancial do jornalista, de maneira bastante desfavorável. É que a partir de Hermes, a política das salvações nacionais como que rejuvenescia os velhos grupos dominantes, ou seja, substituía a velha oligarquia por novos governos de tendência também oligárquica, sem destruir o pacto com os militares.
A tentativa de intervenção em São Paulo e o fracasso das campanhas civilísticas consagram o elitismo autoritário do projeto político hegemônico, deixando a nação a mercê dos latifundiários, da burguesia arrivista e da finança internacional.
Os resultados não tardariam e o inicio da derrocada econômica, no governo de Venceslau Brás (1914 – 1918), vem em forma de desemprego, de greves, de reivindicações dos direitos políticos, tornando mais calamitosa ainda a convivência com as injunções da Primeira Guerra, então em curso.
É nesse clima que transcorrem os últimos cinco anos de vida do escritor, anos de participação política e social intensa, principalmente durante o governo seguinte, de Epitácio Pessoa (1919 – 1922), quando se radicalizam as manifestações operárias e a crise econômica se alastra para a maioria dos estados.
A ascensão da burguesia industrial, a aliança com os profissionais liberais, o peso político do exército davam sustentação a um bloco dominante cada vez mais incomodado pela rebelião do proletariado urbano, pela imigração em massa dos trabalhadores europeus e pelas reformas inadiáveis que o país estava a exigir.
Desse quadro, emerge um grupo de ideologias em conflito, sendo possível identificar, uma visão do mundo estática quando não saudosista, uma ideologia liberal com traços anarcóides, um complexo mental pequeno-burguês, da classe média oscilante entre o puro ressentimento e o reformismo, e uma atitude revolucionária.
Lima Barreto viveu nessa época conturbada da política e isso influenciou muito a sua obra, que vista assim em confronto com a época, resulta numa espécie de combinatória irreverente de cada uma dessas tendências. Formando-se num momento que a “BÉLLE ÉPOQUE”, dos boêmios e dos cafés. É uma obra que se constrói entre dois mundos: o mundo tradicionalista agrário, saudosista e reformador e o mundo do novo século, seduzido pela vanguarda e pelo irracionalismo, fecundado pelo dadaísmo e pelo cubismo, pela psicanálise e pelo relativismo de Einstein, pela Revolução Russa, anarquismo espanhol e sindicalismo fascista.
Nesse novo espaço, ao mesmo tempo em que as conquistas materiais do homem ( o cinematógrafo, o automóvel, o avião, o telefone), desvinculam a criação literária dos temas tradicionais que até o Simbolismo alimentavam o ideal artístico de vida, a participação intelectual do escritor se amplia. A crônica e o depoimento vão aos poucos ganhando uma importância que não tinham, na medida em que representam uma forma direta de convivência e de participação nas contradições da nova realidade.
Paralelamente, acirra-se o confronto entre os ideais estéticos e os ideais políticos, uma nova literatura de fermentação social e de redescobrimento interno do país viria substituir o regionalismo convencional do passado.
A sedução pelas vanguardas leva ao repúdio da Academia, pondo em xeque o eletismo do intelectual isolado, que até então se legitimava no mesmo espaço em que o coronel Arcaide, em nome da ordem e da justiça, decidia sobre o destino das comunidades internas de cidadãos.
Por outro lado, essa ânsia de modernidade, atinge o universo ideológico da burguesia urbana em ascensão, ocasionando um momento de libertação intelectual nas elites, responsável pelo consumismo elegante que alimentará a necessidade de figurar nas rodas sociais e de sustentar a moda a partir, sobretudo, da banalidade e do excesso das classes ociosas.
Elaborada nos limites de contexto, a obra de Lima Barreto nos revela de um lado, o autor em que se chocam frente a frente, a visão do novo e a permanência do velho, e de outro, o intelectual que trás consigo a voz do inconformismo apontado para uma ruptura com a tradição, através de atitudes claramente favoráveis à renovação que viria a partir de 1922, com a Semana de Arte Moderna.
A sua posição sempre favorável a liberdade do escritor e a necessidade de aproximá-lo das camadas marginalizadas repercutiu incessantemente no surgimento de uma literatura de contestação, apropriada ao novo clima social que caracterizava no começo do século, os grandes aglomerados urbanos.
Mais ainda, paralela a essa rebeldia ante-eletista, a tentativa de formular teoricamente uma literatura social e politicamente militante, voltada para a urgência do cotidiano em mudança, e ao mesmo tempo inspirada na redenção do homem oprimido, transforma a sua obra numa das contribuições intelectuais mais importantes nas letras brasileiras deste século.
Com ele de fato, a preocupação com a linguagem e a contestação dos critérios que consagram perante a tradição acadêmica produziram resultados decisivos. Roteirizando a própria retórica, utilizando a linguagem como espelho que se volta com o próprio sistema, Lima Barreto inaugura o desgaste dos velhos modelos e antecipa uma resistência significativa na transição para o Modernismo.
Da abolição uma recordação indelével, é que, precisamente no dia em que a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, Lima Barreto completava sete anos de idade, e como presente de aniversário seu pai o levou ao Largo do Paço, para assistir aos festejos comemorativos.
Recordando, mais tarde a imagem da princesa, que naquele dia tinha vindo a janela para saudar o povo, loura, muito loura, maternal com um olhar doce e apiedade, Lima Barreto fala da missa no campo de São Cristóvão, das comemorações e do clima de festa que perdurou por vários dias, era como se o Brasil tivesse sido descoberto outra vez. Houve barulho de bandas de música, de bombas, indispensável ao nosso regozijo, e houve também préstitos cívicos. Construíram-se estrados para bailes populares, houve desfile de batalhões escolares e eu me lembro que vi a princesa imperial, na porta da atual prefeitura, cercada de filhos assistindo aquela fileira de numerosos soldados a desfilar pela cidade. Devia ser tarde ao anoitecer.
A proclamação da República no ano seguinte diluiria esse clima eufórico de confraternização social, fazendo com que a adolescência do futuro escritor coexistisse com o duro período de legalização do regime, inaugurado com o golpe militar encabeçado por Deodoro da Fonseca.
As lutas e dissidências que se seguem com a instalação da Assembléia Nacional Constituinte, de 15 de novembro de 1891, abrem uma série de conflitos políticos que trariam a insegurança para a nação, num quadro que se agrava quando Deodoro da Fonseca, ameaçado pelo Congresso, decide fecha-lo em 1891.
Vamos saber um pouco sobre os governos daquela época, as medidas ditatoriais então postas em prática, tais como o estado de sítio e a censura aos jornais, acarretam reações legalistas nos estados, particularmente em São Paulo, num momento em que Floriano Peixoto com o apoio do exército e da marinha, é levado ao poder para restaurar a ordem constitucional.
Começam então a ganhar forças grupos de poder cuja influência ideológica a obra de Lima Barreto tantas vezes repudiava, os segmentos militares autoritários e as minorias oligárquicas dos estados.
O próprio Floriano, que se propunha a governar, com a Constituição, ao adotar uma política de intervenção nos estados, por meio de alianças com grupos locais, aprofunda as dimensões. O país mergulha assim num ciclo de rebeliões que explodem tanto nos estados como na capital da República, particularmente depois de sua morte em 1895. são desse tempo a Revolução Federalista, de Gumercindo Saraiva no Rio Grande do Sul, a Revolta Armada, no Rio de Janeiro, a invasão de Santa Catarina e do Paraná pelos revoltosos, as manifestações jacobinistas da escola militar da praia vermelha, em repúdio a Prudente de Moraes, e a repressão desfreada aos monarquistas depois do fracasso da expedição Moreira Cezar a Canudos, tomada como pretenso foco de um levante restaurador.
O governo difícil de Prudente de Moraes (1894 – 1898), devido, sobretudo a permanência da máquina burocrática e política nas mãos dos aliados de Floriano, traria o acirramento na luta pelo poder do estado, a insatisfação militar e a crescente agitação das massas nos grandes centros urbanos. Tudo isso agravado por uma inflação que, a partir da crise do café atingia índices inesperados.
Ao seu sucessor Campo Sales (1898 – 1902) estaria reservada a tarefa de controlar os jacobinistas e os oligarcas, mediante ao apoio que através da política dos governadores, passou a receber dos estados influentes. O equilíbrio das finanças, obtido nesse período, permitirá ao próximo presidente, Rodrigues Alves (1902 – 1906), sanear e embelezar o Rio de Janeiro, reconstruindo a cidade, erradicando a febre amarela, e abrindo uma fase de prosperidade econômica.
Por essa época, Lima Barreto entra para a escola politécnica e começa a colaborar na imprensa. Pode assim testemunhar esse curto momento de progresso na história da Primeira República, reclamando sempre, um espaço maior para as classes oprimidas.
Os presidentes vão se sucedendo, a morte de Afonso Pena, o rápido mandato de Nilo Peçanha e a vitória nas eleições do Marechal Hermes da Fonseca sobre Rui Barbosa, aparecem na obra circunstancial do jornalista, de maneira bastante desfavorável. É que a partir de Hermes, a política das salvações nacionais como que rejuvenescia os velhos grupos dominantes, ou seja, substituía a velha oligarquia por novos governos de tendência também oligárquica, sem destruir o pacto com os militares.
A tentativa de intervenção em São Paulo e o fracasso das campanhas civilísticas consagram o elitismo autoritário do projeto político hegemônico, deixando a nação a mercê dos latifundiários, da burguesia arrivista e da finança internacional.
Os resultados não tardariam e o inicio da derrocada econômica, no governo de Venceslau Brás (1914 – 1918), vem em forma de desemprego, de greves, de reivindicações dos direitos políticos, tornando mais calamitosa ainda a convivência com as injunções da Primeira Guerra, então em curso.
É nesse clima que transcorrem os últimos cinco anos de vida do escritor, anos de participação política e social intensa, principalmente durante o governo seguinte, de Epitácio Pessoa (1919 – 1922), quando se radicalizam as manifestações operárias e a crise econômica se alastra para a maioria dos estados.
A ascensão da burguesia industrial, a aliança com os profissionais liberais, o peso político do exército davam sustentação a um bloco dominante cada vez mais incomodado pela rebelião do proletariado urbano, pela imigração em massa dos trabalhadores europeus e pelas reformas inadiáveis que o país estava a exigir.
Desse quadro, emerge um grupo de ideologias em conflito, sendo possível identificar, uma visão do mundo estática quando não saudosista, uma ideologia liberal com traços anarcóides, um complexo mental pequeno-burguês, da classe média oscilante entre o puro ressentimento e o reformismo, e uma atitude revolucionária.
Lima Barreto viveu nessa época conturbada da política e isso influenciou muito a sua obra, que vista assim em confronto com a época, resulta numa espécie de combinatória irreverente de cada uma dessas tendências. Formando-se num momento que a “BÉLLE ÉPOQUE”, dos boêmios e dos cafés. É uma obra que se constrói entre dois mundos: o mundo tradicionalista agrário, saudosista e reformador e o mundo do novo século, seduzido pela vanguarda e pelo irracionalismo, fecundado pelo dadaísmo e pelo cubismo, pela psicanálise e pelo relativismo de Einstein, pela Revolução Russa, anarquismo espanhol e sindicalismo fascista.
Nesse novo espaço, ao mesmo tempo em que as conquistas materiais do homem ( o cinematógrafo, o automóvel, o avião, o telefone), desvinculam a criação literária dos temas tradicionais que até o Simbolismo alimentavam o ideal artístico de vida, a participação intelectual do escritor se amplia. A crônica e o depoimento vão aos poucos ganhando uma importância que não tinham, na medida em que representam uma forma direta de convivência e de participação nas contradições da nova realidade.
Paralelamente, acirra-se o confronto entre os ideais estéticos e os ideais políticos, uma nova literatura de fermentação social e de redescobrimento interno do país viria substituir o regionalismo convencional do passado.
A sedução pelas vanguardas leva ao repúdio da Academia, pondo em xeque o eletismo do intelectual isolado, que até então se legitimava no mesmo espaço em que o coronel Arcaide, em nome da ordem e da justiça, decidia sobre o destino das comunidades internas de cidadãos.
Por outro lado, essa ânsia de modernidade, atinge o universo ideológico da burguesia urbana em ascensão, ocasionando um momento de libertação intelectual nas elites, responsável pelo consumismo elegante que alimentará a necessidade de figurar nas rodas sociais e de sustentar a moda a partir, sobretudo, da banalidade e do excesso das classes ociosas.
Elaborada nos limites de contexto, a obra de Lima Barreto nos revela de um lado, o autor em que se chocam frente a frente, a visão do novo e a permanência do velho, e de outro, o intelectual que trás consigo a voz do inconformismo apontado para uma ruptura com a tradição, através de atitudes claramente favoráveis à renovação que viria a partir de 1922, com a Semana de Arte Moderna.
A sua posição sempre favorável a liberdade do escritor e a necessidade de aproximá-lo das camadas marginalizadas repercutiu incessantemente no surgimento de uma literatura de contestação, apropriada ao novo clima social que caracterizava no começo do século, os grandes aglomerados urbanos.
Mais ainda, paralela a essa rebeldia ante-eletista, a tentativa de formular teoricamente uma literatura social e politicamente militante, voltada para a urgência do cotidiano em mudança, e ao mesmo tempo inspirada na redenção do homem oprimido, transforma a sua obra numa das contribuições intelectuais mais importantes nas letras brasileiras deste século.
Com ele de fato, a preocupação com a linguagem e a contestação dos critérios que consagram perante a tradição acadêmica produziram resultados decisivos. Roteirizando a própria retórica, utilizando a linguagem como espelho que se volta com o próprio sistema, Lima Barreto inaugura o desgaste dos velhos modelos e antecipa uma resistência significativa na transição para o Modernismo.
o que caracterizava a politica nacional na epoca em que Lima Barreto viveu
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