sexta-feira, 29 de maio de 2009

Dom Casmurro - Machado de Assis

“A fruta já estava dentro da casca”. Esta é a conclusão de Bentinho ao fim das suas memórias. Mas afinal de contas, Capitu era mesmo dissimulada ou apenas uma mulher a frente do seu tempo? Questões como estas permeiam o romance e imortalizaram a obra-prima de Machado de Assis.O quieto e amargurado Bentinho, já na velhice, conta a história do seu amor pela vizinha Capitu desde a descoberta do sentimento, até o desfecho de abandono, ciúmes e solidão.Algumas partes do enredo de “Dom Casmurro” parecem tiradas de um folhetim romântico: a diferença social dos amantes, a promessa cristã como obstáculo, o casamento vencendo todos os impedimentos ao amor de infância... mas, Machado de Assis surpreende a todos os românticos com o rumo destes episódios. Capitu não é nenhuma romântica Cecília da obra de José de Alencar, sendo assim, faz de tudo para alcançar seu objetivo de casar com Bentinho. Torna-se então, uma mulher rica, da burguesia. Desta forma, cai por terra o cristianismo e qualquer tipo de fidelidade à Igreja. O casamento de Capitu e Bentinho desde o início está marcado pelo ciúme, sentimento que começa cedo, quando os dois ainda nem tinham a relação assumida:
... Capitu e a passagem de um dandy... Ora, o dandy de cavalo baio não passou como os outros; era a trombeta do juízo final e soou a tempo; assim faz o destino, que é o seu próprio contra-regra. O cavaleiro não se contentou de ir andando, mas voltou a cabeça para o nosso lado, o lado de Capitu, e olhou para Capitu, e Capitu olhou para ele; o cavalo andava, a cabeça do homem deixava-se ir olhando para trás. Tal foi o segundo dente de ciúme que me mordeu. (DOM CASMURRO p.123).
Esta foi a primeira passagem na qual o olhar de Capitu causou ciúmes em Bento. Nota-se uma grande certeza nas palavras do narrador. Aí está outra questão importante no romance: todas as informações são passadas a nós, leitores, sob o olhar ciumento e melancólico de um marido que acredita ter sido traído. Ao mesmo tempo em que coloca situações comprometedoras para Capitu, como a semelhança de Ezequiel com Escobar, o olhar dela ao cadáver deste, o episódio no qual Bentinho encontra Escobar em casa enquanto havia ido ao teatro sem a esposa, pois ela recusou-se alegando estar doente... ele também deixa dúvidas com outras questões intrigantes: A mãe de Sancha se parecia com Capitu e as duas não eram parentes, a semelhança de Ezequiel com Escobar poderia ter sido fruto do ciúme de Bentinho, já que quando o “filho” retorna da Europa, já adulto, ele vê no rapaz semelhanças até mesmo em trejeitos que podem ser comuns a muitas pessoas sem elas serem pais e filhos necessariamente.
Era o próprio, o exato, o verdadeiro Escobar. Era o meu comborço, era o filho de seu pai.A voz era a mesma de Escobar, o sotaque afrancesado.”(DOM CASMURRO p.205).Estendeu o copo ao vinho que eu lhe oferecia, bebeu um gole, e continuou a comer. Escobar comia assim também, com a cara metida no prato. (...) contava o Egito e os seus milhares de séculos, sem se perder nos algarismos; tinha a cabeça aritmética do pai. (DOM CASMURRO p.206).
O poder da pena de Machado de Assis fez com que “Dom Casmurro” se tornasse um clássico da língua portuguesa, que até hoje é motivo de discussões entre os críticos. Estas discussões vão muito além da tradicional questão “Capitu traiu ou não traiu?” Há no livro coisas intrigantes demais para se prender a esta dúvida, como por exemplo, o que fez uma sociedade machista como a do século XIX desconfiar das afirmações de um marido traído e dar crédito a uma mulher possivelmente adúltera? De certo, eles foram seduzidos também pelos olhos de ressaca de Capitu, olhos estes que seduziram a todos e fizeram com que Bentinho se fechasse na Casmurrice e não pudesse amar outra mulher que não tivesse os mesmos olhos da sua primeira amada.

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